terça-feira, 28 de agosto de 2018

Inconstitucionalidade na vedação ao recurso administrativo em auto de infração com aplicação da pena de perdimento na importação

  • Autor(a): ANDERSON STEFANI
  • Sócio de Nasser Sociedade de Advogados, com mais de 14 anos de experiência nas áreas de direito Tributário, Aduaneiro e Imobiliário, com experiência também em Comércio Internacional, Societário e Operações de Fusões e Aquisições. Pós-graduado em Direito Tributário pela GVLaw, pós-graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Barcelona, Espanha, onde também obteve o diploma de Master em Direito Tributário.
    Autor(a): VITOR FERREIRA SULINA
    Associado de Nasser Sociedade de Advogados. Graduou-se em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e é pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Possui expertise nas áreas de Direito Tributário, Aduaneiro e Imobiliário, com experiência também em comércio internacional.

    A Constituição Federal é a base do nosso ordenamento jurídico, sendo que todos os demais atos normativos devem observá-la e respeitá-la, de forma a garantir a validade jurídica da norma.
    Nesse sentido, a Constituição Federal estabelece como direitos e garantias individuais os princípios do devido processo, da ampla defesa e contraditório, conforme o art. 5º, incisos LIV e LV:
    Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
    [...]
    LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
    LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
    [...]
    Por outro lado, o perdimento de bens na importação é uma penalidade extremamente severa, imposta em decorrência de infrações específicas previstas no art. 105 do Decreto-Lei nº 37/1966 e art. 23 do Decreto-Lei nº 1.455/1976.
    Trata-se de uma penalidade cujo resultado é a expropriação de bens. Uma vez aplicada, o sujeito passivo do lançamento tem o prazo de 20 dias para apresentar sua defesa, que será julgada em instância única (Decreto-Lei nº 1.455/1976, art. 27, §§ 1º e 4º). Ou seja, é vedado o direito de recurso administrativo[1] nas infrações sujeitas à pena de perdimento.
    De início, verifica-se que o disposto no art. 27 do Decreto-Lei nº 1.455/1976 não respeita e é absolutamente incompatível com os direitos e garantias fundamentais fixados pela Constituição Federal promulgada em 1988, por ter como resultado a expropriação de bens (direito de propriedade) sem a observância do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, evidenciando a sua inconstitucionalidade.
    O processo administrativo fiscal, "por ser princípio inerente aos direitos fundamentais, somente pode ser concretizado quando atendido em todos os seus elementos, suficientes a oferecer contraditório, isonomia, ampla defesa, direito a provas e acesso a recursos, afora as condições para formação do livre convencimento dos julgadores" (TORRES, Heleno Taveira. Processo administrativo fiscal é garantia constitucional insuprimível. Revista Consultor Jurídico, 13 de maio de 2015).
    O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de ser inconstitucional a limitação ao duplo grau de jurisdição na esfera administrativa federal, por violação ao contraditório e à ampla defesa, conforme segue:
    RECURSO ADMINISTRATIVO - DEPÓSITO - §§ 1º E 2º DO ARTIGO 126 DA LEI Nº 8.213/1991 - INCONSTITUCIONALIDADE. A garantia constitucional da ampla defesa afasta a exigência do depósito como pressuposto de admissibilidade de recurso administrativo. (STF, Tribunal Pleno, RE 389383-SP, Relator Min. Marco Aurélio, DJe-047 Divulgado em 28/06/2007, Publicação 29/06/2007). (grifos da agravante)
    Em seu voto-vista no julgamento do RE 389383-SP, o então Ministro Joaquim Barbosa asseverou que "a construção da democracia e de um Estado Democrático de Direito exige da Administração Pública, antes de mais nada, respeito ao princípio da legalidade, quer em juízo, quer nos procedimentos internos. Impossibilitar ou inviabilizar o recurso na via administrativa equivale a impedir que a própria Administração Pública revise um ato administrativo porventura ilícito. A realização do procedimento administrativo como concretização do princípio democrático e do princípio da legalidade fica tolhida, dada a natural dificuldade - para não dizer autocontentação - da Administração em revisar os próprios atos". (grifos nossos)
    Além da evidente inconstitucionalidade, a vedação ao recurso administrativo na aplicação da pena de perdimento se torna ainda mais absurda quando a mercadoria objeto do perdimento não for localizada ou já tiver sido consumida ou revendida.
    Segundo o disposto no § 3º do art. 23 do Decreto-Lei nº 1.455/1976, quando a mercadoria objeto do perdimento não for localizada ou já tiver sido consumida ou revendida, a infração será punida com multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria, observados os ritos e as competências estabelecidos no Decreto nº 70.235/1972.
    Quer dizer, quando a punição for a expropriação da mercadoria (perda do direito de propriedade), o julgamento será em instância única sem observar os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e contraditório. Mas, quando a punição pela mesma infração for a multa por não ter sido localizada a mercadoria, o sujeito passivo terá direito ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
    Em conclusão, a vedação ao direito de recurso administrativo nas infrações sujeitas à pena de perdimento é inconstitucional por violar os princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa (art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal), bem como por violação ao princípio da isonomia.
    _____________
    [1] Arts. 2º, X, e 56, da Lei nº 9.784/1999 e art. 33 do Decreto nº 70.235/1972.
    Fonte Internet: Aduaneiras, 23/08/18

  • http://www.abece.org.br/Noticias/ComercioExteriorRead.aspx?cod=10912

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