Kiyoshi Harada é Mestre em Teoria Geral do Processo.
Especialista em Direito Tributário, Ciência das Finanças e Teoria Geral do
Processo. Professor de Direito Administrativo, Tributário e Financeiro em
diversas instituições de ensino superior. Autor de 31 obras jurídicas
publicadas por diferentes editoras. Ex-Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica
do Município de São Paulo.
Há dias escrevemos um texto versando sobre “Alteração da
jurisprudência do STJ traz insegurança jurídica”. É o caso IPI na revenda
de produtos importados que volta a incidir segundo novo entendimento do STJ.
Somente uma decisão definitiva do STF, que se harmonize com o sistema jurídico
global, nele incluídas as normas convencionais internadas em nosso ordenamento
jurídico, poderá restabelecer a segurança jurídica indispensável ao sadio
desenvolvimento de atividades econômicas. O que não pode é o importador ser
surpreendido repentinamente com exigência tributária que pode vir sob forma de
lançamento de ofício.
Após décadas de discussões quanto à incidência ou não do
IPI na saída de produto importado do estabelecimento do importador, o Colendo
Superior Tribunal de Justiça decidiu, acertadamente, que o IPI somente
recaí sobre o montante que na operação tributada tenha resultado da
industrialização, conforme a ementa do V. Acórdão assim redigido:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS.
SAÍDA DO ESTABELECIMENTO IMPORTADOR.
A norma do parágrafo único constitui a essência do fato
gerador do imposto sobre produtos industrializados. A teor dela, o tributo não
incide sobre o acréscimo embutido em cada um dos estágios da circulação de
produtos industrializados. Recai apenas sobre o montante que, na operação
tributada, tenha resultado da industrialização, assim considerada qualquer
operação que importe na alteração da natureza, funcionamento, utilização,
acabamento ou apresentação do produto, ressalvadas as exceções legais. De outro
modo, coincidiriam os fatos geradores do imposto sobre produtos industrializados
e do imposto sobre circulação de mercadorias.
Consequentemente, os incisos I e II do caput são
excludentes, salvo se, entre o desembaraço aduaneiro e a
saída do estabelecimento do importador, o produto tiver
sido objeto de uma das formas de industrialização.
Embargos de divergência conhecidos e providos” (EREsp nº
1398721/SC, Rel. Ministro Ari Pargendler, DJe de 18-12-2014).
Acontece que em menos de um ano aquele Colendo Tribunal
alterou radicalmente o seu entendimento sobre a matéria decidindo, por maioria
de votos, pela incidência do imposto na revenda de produto importado,
conforme V. Acórdão proferido nos Embargos de Divergência no REsp nº 1403352/SC
de que foi Relator o Min. Napoleão Nunes Maia, sendo Relator para acórdão o
Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 18-12-2015.
Ao alterar o escorreito entendimento anterior, assentado
na interpretação segundo as regras da hermenêutica jurídica, aquela Alta Corte
de Justiça promoveu uma interpretação isolada de cada um dos dois aspectos do
mesmo fato gerador. De um lado, o aspecto material do fato gerador do IPI que é
a industrialização como definida no parágrafo único do art. 46 do CTN; de outro
lado, o aspecto temporal desse mesmo fato gerador que consoante previsão
do art. 51 do CTN ocorre, alternativamente, no desembaraço aduaneiro, em
se tratando de produto importado; na saída do estabelecimento, em se tratado de
produto nacional; ou na arrematação, em se tratando em produto leiloado. Não
há, nem pode haver, ocorrência de fato gerdor sem a conjugação de todos os seus
aspectos (aspectos material, subjetivo, quantitativo, espacial e temporal).
E para considerar em compartimentos estanques os dois
dispositivos citados do CTN (parágrafo único do art. 46 e art. 51 do CTN) o V.
Acórdão sob comento promoveu a interpretação literal do disposto no parágrafo
único do art. 51 [1], sem se valer da interpretação sistemática que se
impunha. O disposto no aludido parágrafo único do art. 51 do CTN deve ser
interpretado dentro do sistema jurídico, e não literalmente, sob pena de
consagrar a validade da ficção jurídica (atribuição ao fato de uma
característica irreal) no campo de definição legal do fato gerador da obrigação
tributária, com afronta o princípio da capacidade contributiva. As ficções
jurídicas, que não se confundem com as presunções por atribuírem aos fatos
características não reais, não podem ser objetos de utilização no direito
tributário, principalmente, para compor a definição do fato gerador da
obrigação tributária, sob pena de violação do princípio constitucional da
capacidade contributiva, um desdobramento do princípio maior da isonomia
tributária.
Em direito, os institutos, as expressões e os vocábulos
têm significações próprias não se permitindo para os fins de cobrança do IPI
equiparar o estabelecimento industrial a um estabelecimento comercial
desprovido de infraestrutura material e pessoal para promover qualquer operação
que modifique a natureza ou a finalidade do produto ou o aperfeiçoe para o
consumo.
O produto industrializado e importado, uma vez pago o IPI
no desembaraço aduaneiro, não mais se sujeita à tributação por esse imposto nas
sucessivas saídas de qualquer tipo de estabelecimento atacadista ou varejista,
a menos que tenha resultado em nova industrialização. Do contrário haverá confusão
entre o fato gerador do IPI com o fato gerador do ICMS, que incide em cada
etapa de circulação da mercadoria, como muito bem enfatizado no primitivo e
escorreito acórdão proferido pela Primeira Seção do STJ (EREsp nº 1.398.721/SC)
.
A dupla imposição tributária do IPI viola o princípio da
isonomia ao dispensar tratamento desigual entre o importador de produto
industrializado e o estabelecimento industrial nacional. Implica, também,
contrariedade a uma das regras da OMC de que participa o nosso país, por onerar
mais o produto de procedência estrangeira em confronto com o produto similar
aqui fabricado.
Por tais razões, o STF reconheceu a repercussão geral no
RE nº 946.648/SC tendo sido deferida a liminar na ação cautelar de nº 4.129 de
relatoria do Min. Marco Aurélio, DJe de 10-6-2016, para suspender os
efeitos do acórdão recorrido até final pronunciamento da Corte Suprema quanto à
incidência ou não do IPI na revenda de produto industrializado importado.
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[1] “Para os efeitos deste imposto,
considera-se contribuinte autônomo qualquer
estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou
arrematante.”