terça-feira, 19 de maio de 2020

Coana promove melhorias no Despacho sobre Águas

Alterações dão maior flexibilidade na movimentação e na entrega das cargas submetidas ao Despacho sobre Águas.
O Despacho sobre Águas, disciplinado pela Portaria Coana nº 85/2017, foi estabelecido no Programa Brasileiro de OEA com as premissas de simplificação do Comércio Exterior e do gerenciamento dos riscos no controle aduaneiro e provou-se uma iniciativa de sucesso em termos de previsibilidade e segurança, que resultou em redução dos custos e dos tempos de logística de cada operação. Segundo um levantamento realizado com dados de abril de 2019, houve redução no tempo médio de operação, entre a chegada e a entrega da carga, da ordem de 70% (setenta por cento).
Visando intensificar do uso dessa modalidade de despacho e atenta às melhorias propostas pelos intervenientes, a Receita Federal publicou a IN RFB nº 1.943, 28 de abril de 2020, que alterou dispositivos da IN RFB nº 800, de 27 de dezembro de 2007, permitindo a transferência do Conhecimento Eletrônico vinculado à DI-OEA registrado na modalidade de Despacho sobre Águas (DSA) entre manifestos, assim como o uso do Conhecimento Eletrônico de serviço para amparar o transporte da totalidade da carga da DI-OEA DSA entre recintos alfandegados.
Antes Port 20
Figura 1 - Situação antes da Portaria Coana nº 20/2020
Assim, caso a escala não seja executada conforme previsto, por motivos alheios à vontade do importador, e a carga a ela vinculada seja descarregada em porto diverso do declarado em DI-OEA, não mais será necessário o cancelamento da DI. Os sistemas estarão aptos a registrar a correta informação da situação real da carga, permitindo, inclusive, a sua entrega no porto de descarregamento.
As alterações nos sistemas de controle de carga aquaviária (Sistema Mercante e Siscomex Carga) para permitir o “arrasta CE” estão em fase final de homologação. A regulamentação das novas funcionalidades e do CE de serviço constam na Portaria COANA nº 85/2017, alterada pela Portaria COANA nº 20/2020 de 15 de maio de 2020.
Com isso, objetiva-se tornar o DSA uma operação ainda mais previsível e segura, com benefícios a todos os operadores da cadeia. Além dos ganhos de tempo e nos custos logísticos, no atual cenário de pandemia decorrente da doença pelo coronavírus 2019 (Covid-19), o DSA poderá ser uma ferramenta essencial para minimizar o contato físico dos servidores da administração aduaneira com os intervenientes e com a carga e, ainda, propiciar a liberação imediata de cargas destinadas à promoção da saúde pública e às empresas certificadas como OEA.
Solução 1
Solução 1
Fig. 2 – Situação após a Portaria Coana nº 20/2020 e implementação das funcionalidades no sistema. Arrastar CE para o Porto Executado (B) e proceder a entrega da carga no Porto Executado (B).
Solução 2
Solução 2
Fig. 3 – Situação após a Portaria Coana nº 20/2020 e implementação das funcionalidades no sistema. Arrastar CE para o Porto Executado (B) e vincular CE a manifesto BCE para movimentação e entrega da carga no Porto Programado (A), na via aquaviária.
Solução 3
Solução 3
Fig. 4 – Situação após a Portaria Coana nº 20/2020. Criar CE de Serviço e manifestar carga para o Porto Executado (B) e vincular CE de serviço à DTA para movimentação e entrega da carga no Porto Programado (A), na via terrestre.
Solução Alternativa
Enquanto não implementadas as funcionalidades das soluções 1 e 2, a movimentação da carga descarregada no Porto Executado (B) para o Porto Programada (A), via aquaviária, poderá ser efetivada através do uso de CE de serviço, conforme figura abaixo:
Solução AlternativaFig. 5 – Situação após a Portaria Coana nº 20/2020. Solução alternativa para movimentação da carga ao Porto Programado (A), na via aquaviária, enquanto não disponíveis as soluções 1 e 2.

terça-feira, 5 de maio de 2020

Será que as regras interpretativas do Sistema Harmonizado acompanham a evolução tecnológica das mercadorias?

Autor(a): ROBERTO RAYA DA SILVA
Sócio-fundador da Raya Consult, é avaliador sênior certificado pela American Society of Appraisers (ASA) e membro do Comitê Internacional da ASA para Avaliação de Máquinas e Equipamentos e do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de SP (Ibape-SP). Engenheiro elétrico e mecânico, possui MBA em Comércio Exterior e Perícia Aduaneira. Nos últimos 19 anos tem acumulado experiência como Engenheiro Credenciado da RFB-SP para elaboração de laudos técnicos nos EADI-Alfandegários. Perito da RFB na área de Engenharia Mecânica e Eletrônica.
Classificação de drones pelos princípios da Regra 3 b)
Para classificar qualquer produto na Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul, é indispensável a leitura das Regras Gerais para Interpretação do Sistema Harmonizado (RGI/SH). Isso porque, quando é necessário classificar uma mercadoria por meio da Regra 3 b), surgem dúvidas sobre a sua correta utilização.
No caso de um drone, um aparelho relativamente novo e que a cada dia possui uma nova aplicação fazendo algumas adaptações, você conseguiria classificá-lo adequadamente? Aliás, sabia que o drone e um camaleão possuem similaridades? Continue lendo para entender.
O camaleão e o drone
Segundo o site Dicionário de Símbolos, "o camaleão é um tipo de lagarto que tem a habilidade especial de mudar de cor para se camuflar em seu meio ambiente e se proteger dos predadores"1. Além disso, é comum no Brasil utilizar o termo "camaleão" para a capacidade de adaptação, mudança e flexibilidade de algo ou alguém.
Nesse contexto, poderíamos fazer uma analogia com o drone não só pela sua habilidade de adaptação mas também pelas suas funcionalidades inerentes ao meio que se destina (funções/usos), uma vez que existem classificações distintas para ele, tais como:
1. pulverizador - 8424;
2. câmeras - 8525;
3. helicópteros - 8802;
4. brinquedo - 9503.
Regra 3 b) das RGI/SH
A análise das Soluções de Consulta (SC) da alfândega brasileira referente à mercadoria denominada "drones", no primeiro momento, pode causar certa estranheza e até dar a ideia de que existe alguma insegurança jurídica do ponto de vista técnico, uma vez que existem quatro posições classificatórias distintas para o produto (8424, 8525, 8802 e 9503). Porém é necessário olharmos com maior atenção o contexto, pois todas as classificações foram originadas em função da Regra 3 b) das Regras Gerais para Interpretação do Sistema Harmonizado:
3. Quando pareça que a mercadoria pode classificar-se em duas ou mais posições por aplicação da Regra 2 b) ou por qualquer outra razão, a classificação deve efetuar-se da forma seguinte:
a) A posição mais específica prevalece sobre as mais genéricas. Todavia, quando duas ou mais posições se refiram, cada uma delas, a apenas uma parte das matérias constitutivas de um produto misturado ou de um artigo composto, ou a apenas um dos componentes de sortidos acondicionados para venda a retalho, tais posições devem considerar-se, em relação a esses produtos ou artigos, como igualmente específicas, ainda que uma delas apresente uma descrição mais precisa ou completa da mercadoria.
b) Os produtos misturados, as obras compostas de matérias diferentes ou constituídas pela reunião de artigos diferentes e as mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para venda a retalho, cuja classificação não se possa efetuar pela aplicação da Regra 3 a), classificam-se pela matéria ou artigo que lhes confira a característica essencial, quando for possível realizar esta determinação.
c) Nos casos em que as Regras 3 a) e 3 b) não permitam efetuar a classificação, a mercadoria classifica-se na posição situada em último lugar na ordem numérica, dentre as suscetíveis de validamente se tomarem em consideração. (BRASIL, 2002)2
Atente-se que, para a utilização da Regra 3 b), existem alguns pré-requisitos que devem ser atendidos:
A mercadoria a ser classificada não encontrou amparo na Regra 3 a) para ser classificada;
A mercadoria a ser classificada deve ser produtos misturados, as obras compostas de matérias diferentes ou constituídas pela reunião de artigos diferentes e as mercadorias apresentadas em sortidos acondicionados para venda a retalho.
Atendidas essas condições, será iniciada a classificação da mercadoria, feita em função da matéria ou artigo que lhes confira a característica essencial, quando for possível realizar essa determinação.
Essencialidade
Logo de início, encontramos um fator relevante: o que é a característica essencial de uma mercadoria? Trata-se de algo até filosófico, não é?!
Para responder essa questão, destaco um trecho do livro As Questões Fundamentais da Filosofia3, de Martin Heidegger (2017), - em que o segundo capítulo é justamente dedicado ao tema "essencialidade":
A "essência" de uma coisa, por exemplo, diz-se, é aquele elemento universal e uno, que é válido para os casos particulares e para muitos casos. A essência da "mesa" indica o que cabe como um mesmo a cada mesa, enquanto mesa.
Como diz um grande classificador de mercadorias no Brasil, e amigo meu, Sergio Castro Neves, a essencialidade pronuncia-se como uma "mesmice" comum. Relacionado a isso, ressalto outro trecho relevante do livro:
A "essência" se abate, por assim dizer, sobre o particular e também é, por isso, apreendida como https://sgdocimg.aduaneiras.com.br/012/595/12595954.jpg. Costuma-se traduzir essa denominação por gênero: "mesa em geral" é o gênero relativo às espécies "mesa de jantar", "escrivaninha", "mesa de costura", que só ocorrem elas mesmas de maneira "efetivamente real" em suas singularizações, por assim dizer, mutáveis. (HEIDEGGER, 2017)
Decisão da classificação do drone - Câmera
O drone, para fins da classificação fiscal, de acordo com a Solução de Consulta Cosit nº 98.547, de 22 de novembro de 20194, é uma mercadoria apresentada em sortidos acondicionados para venda a retalho em uma caixa - na linguagem do senso comum, um kit - com: controle remoto com suporte para smartphone; bateria acoplada ao produto; duas hélices extras; quatro protetores de hélice; leitor de cartão SD; cabo carregador de bateria; minichave Phillips; e manual do usuário. Além disso, possui autonomia de voo máxima de 14 minutos, alcance de até 80 metros, dimensões de 34 x 34 x 6,5 centímetros e peso de 180 gramas.
A Solução de Consulta Cosit nº 98.547 no Brasil seguiu a orientação da Organização Mundial das Alfândegas (OMA) - "Classification Rulings - HS Committee 55th Session" - e classificou "drones" no código tarifário 8525.80.29 (outras câmeras fotográficas digitais e câmeras de vídeo) da TEC do Mercosul. A motivação dessa categorização foi o entendimento de que a característica essencial da mercadoria apresentada em sortido acondicionado para venda a retalho é a câmera.
Decisão da classificação do drone - Brinquedo
Já na Solução de Consulta Cosit nº 98.5485, também de 22 de novembro de 2019, o sortido não dispõe de câmera e tem peso de 36 gramas, alcance de 30 metros e autonomia de voo de 7 minutos. A característica essencial desse drone foi de brinquedo (código tarifário 9503.00.97).
Decisão da classificação do drone - Helicóptero
Na Solução de Consulta Cosit nº 98.441, de 7 de outubro de 20196, a característica essencial do drone com dimensões de 16 x 16 x 7 centímetros, peso de 6,14 quilos, autonomia de voo de 7 minutos, alcance de 30 metros, GPS, câmera para orientação do voo e distância máxima de transmissão de 7 quilômetros, foi de helicóptero (código tarifário 8802.11.00).
Apesar da existência de uma câmera, como ela não é de alta definição nem capaz de captar imagens aéreas, e sim para guiar voo, esta não poderia ser caracterizada como a função principal do drone. Vale destacar que essa mercadoria até permite a conexão de câmera de alta definição, mas o produto não vem acompanhado por uma.
Decisão da classificação do drone - Pulverizador
Na Solução de Consulta Cosit nº 98.643, de 30 de dezembro de 20197, o drone apresenta as seguintes características: peso no vazio de 15,6 quilos, dimensões de 1.165 x 1.164 x 496 milímetros, capacidade de 16 litros; peso máximo de decolagem de 34,84 quilos. Por isso, sua característica essencial foi de pulverizador (código tarifário 8424.49.00).
Apesar da existência de uma câmera, como ela não é de alta definição nem capaz de captar imagens aéreas, e sim para guiar voo, esta não poderia ser caracterizada como função principal do produto.
Conclusão
A similaridade existente entre o camaleão e o drone é justamente o poder de adaptação a cada ambiente do primeiro, ajustando-se de forma a possuir flexibilidade, que também ocorre com o segundo e suas variações.
A evolução tecnológica das mercadorias já trata o alinhamento do que deve vir no futuro. Atuando como perito da Receita Federal do Brasil (RFB) há 23 anos, nunca encontrei uma mercadoria cujo nome fosse "drone" e tivesse tantas derivações para sua categorização, devido à característica essencial do sortido acondicionado para venda a retalho, na qual a inserção de um item que muda suas especificações técnicas gerasse alterações na classificação fiscal.
Normalmente, se diz que todos os caminhos levam a Roma. Na classificação de mercadorias, quando é necessário invocar a regra 3 b), pautada na característica essencial dos sortidos acondicionados para venda a retalho, todos os caminhos não levam a Roma, uma vez que sua definição irá depender da visão inicial, atributos e parâmetros que devem ser considerados como elementos de distinção.
Tais parâmetros, inclusive, são descritos nas Notas Explicativas do Sistema Harmonizado:
VII) Nas diversas hipóteses, a classificação das mercadorias deve ser feita pela matéria ou artigo que lhes confira a característica essencial, quando for possível realizar esta determinação.
VIII) O fator que determina a característica essencial varia conforme o tipo de mercadorias. Pode, por exemplo, ser determinado pela natureza da matéria constitutiva ou dos componentes, pelo volume, quantidade, peso ou valor, pela importância de uma das matérias constitutivas tendo em vista a utilização das mercadorias. (BRASIL, 2018)8
Notas:
2 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA CASA CIVIL SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS. Constituição (2002). Decreto nº 4.542, de 26 de dezembro de 2002. Revogado pelo Decreto nº 6.006, de 2006. Tabela de Incidência do Imposto Sobre Produtos Industrializados (Tipi): Baseada na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM). Brasília, DF, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4542impressao.htm#rgish.
3 HEIDEGGER, Martin. As questões fundamentais da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2017. Tradução de Marco Antonio Casanova. Kindle Edition.
8 BRASIL. MINISTÉRIO DA FAZENDA - SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL - COORDENAÇÃO-GERAL DE TRIBUTAÇÃO. Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias: Notas Explicativas. 6. ed. 2018. Disponível em: http://receita.economia.gov.br/orientacao/aduaneira/classificacao-fiscal-de-mercadorias/nesh-in-1788-2018.pdf. Tradução do Original da Organização Mundial das Alfândegas.

Fonte Internet: Aduaneiras, 27/04/2020