Custo ilegal nas importações
Marcelo Annunziata e Rômulo Coutinho*
Nas importações, para que o despacho aduaneiro das
mercadorias importadas ocorra regularmente, deve ser recolhida a denominada
Taxa Siscomex, instituída pela Lei nº 9.716/98 e cobrada devido à utilização do
Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), em relação a cada uma das
Declarações de Importação (DI) registradas e para cada respectiva adição de
mercadorias.
Originalmente, foi previsto em lei o pagamento do valor
de R$ 30 por DI registrada e de R$ 10 para cada adição de mercadorias. Em maio
de 2011, no entanto, foi promulgada Portaria pelo Ministro da Fazenda,
aumentando a Taxa Siscomex de R$ 30 para R$ 185 (por DI registrada) e de R$ 10
para R$ 29,50 (para cada adição). Ou seja, o valor de tal taxa aumentou, de uma
só vez, mais de 500%.
Assim, aqueles que realizam importações em grande volume
passaram a ser bastante prejudicados por esse aumento, especialmente levando em
consideração que a Taxa Siscomex representa, inequivocamente, verdadeiro custo
da mercadoria importada. Diante desse quadro de insatisfação, os contribuintes
começaram a questionar, por meio de medidas judiciais, a constitucionalidade da
referida taxa.
Primeiro, por ser uma taxa decorrente do mero uso do
Siscomex, argumenta-se que não poderia ser cobrada, já que a Constituição
Federal apenas autorizou a instituição de taxas para remunerar o Estado pela
prestação de serviços ou pelo exercício do poder de polícia (fiscalização).
Segundo, os contribuintes sustentam que a aludida taxa não poderia ter sido
majorada por ato do Ministro da Fazenda, já que, de acordo com a Constituição,
apenas o Poder Legislativo pode aumentar o valor das taxas.
Embora se revele essencial para o deslinde da
controvérsia, o primeiro ponto ainda não foi objeto de análise pelo Supremo. No
que diz respeito à majoração, contudo, o STF já reconheceu expressamente que o
pano de fundo do debate envolve matéria constitucional (princípio da
legalidade). Como consequência, em julgamento recentemente publicado
(6/3/2018), a 2ª Turma do STF reconheceu o direito dos contribuintes de
recolher a Taxa Siscomex nos valores vigentes anteriormente à Portaria editada
pelo ministro da Fazenda, ou seja, no valor R$ 30 por DI registrada e de R$ 10
para cada adição de mercadorias.
Nesse ponto, acertou a decisão proferida pelo STF. Com
efeito, não houve um mero reajuste da Taxa Siscomex por parte do Ministro da
Fazenda, mas sim uma efetiva majoração do tributo. Desse modo, houve
desrespeito ao princípio da legalidade em matéria tributária, segundo o qual
apenas o Poder Legislativo tem competência para instituir ou majorar as taxas.
Pergunta que remanesce após a análise da decisão é:
poderia o Ministro da Fazenda ter reajustado a Taxa Siscomex de acordo com
índices oficiais de correção monetária aplicáveis ao período de 1999 a 2011 (da
instituição da cobrança da Taxa Siscomex até a sua majoração) ou mesmo o Poder
Judiciário, por entender inconstitucional o citado aumento, fixar o IPCA ou
outro índice oficial do período como critério de correção para a cobrança da
taxa questionada em juízo?
A resposta é a seguinte: nem o Ministro da Fazenda, muito
menos o Poder Judiciário, poderiam assim proceder. Embora fosse legal e de
acordo com o Código Tributário Nacional se assim tivesse previsto, a Lei nº
9.716/98, que instituiu a Taxa Siscomex, não autorizou o Ministro da Fazenda a
reajustar tal tributo conforme os índices oficiais de correção monetária. Para
que esse ajuste ocorra e seja legalmente possível, a lei deve ser alterada, de
modo a prever exatamente essa autorização. Caso contrário, qualquer reajuste
pelo Executivo que esteja fora das balizas legais deverá ser reputado como
ilegal.
Segundo, não cabe ao Judiciário substituir o Legislativo,
pois, neste caso, estará violando a separação de poderes, a qual, por se tratar
de cláusula pétrea da nossa Constituição, sequer pode ser objeto de emenda
constitucional. Ora, se a Lei nº 9.716/98 não autorizou a correção monetária da
Taxa Siscomex pelo Executivo, tal correção não pode ser autorizada pelo
Judiciário.
Diante desse cenário, nos parece que, enquanto não for
enfrentada a discussão acerca da (in)constitucionalidade da Taxa Siscomex como
um todo, a tendência é que o Supremo ao menos seguirá julgando inconstitucional
a majoração levada a efeito pelo Ministro da Fazenda, aliviando, com isso, esse
custo ilegal que hoje tem de ser suportado pelos importadores.
E, considerando que as importações vêm crescendo de forma
significativa nos últimos anos, movimentando sobremaneira a economia
brasileira, não há dúvidas de que qualquer alívio que possa ser conquistado nos
custos envolvidos com a aduana representará importante diferencial para os
empresários, o que justifica um grande aumento das disputas judiciais
envolvendo este tema que, como visto, está encontrando boa recepção por parte
da Suprema Corte Brasileira.
Por fim, não se deve esquecer que as empresas poderão
buscar no Judiciário, além do não pagamento futuro dessa taxa, também o
ressarcimento dos valores pagos no passado (últimos cinco anos), o que, em
linha com o significativo aumento do volume de importações, deverá representar
substancial montante a ser recuperado, auxiliando as empresas brasileiras na
retomada de suas atividades com a dinamização de nossa economia.
*Marcelo Annunziata é sócio e Rômulo Coutinho é advogado
associado do Demarest Advogados